domingo, 21 de março de 2010

Oficina de serralharia

Escola velha. Primeiro ano. Piso inferior, o da cantina. Sabem o local, passa-se uma ponte de madeira e entramos na oficina. Sala estreita e comprida e ao canto superior direito, topo da sala, a secretária do Mestre. Em cima da secretária papéis, canetas, lápis e… o principal, um conjunto de dissuasores composto por um martelo de bola, uma escova de pelo de aço própria para limpar grosas, limas e limatões quadrados, triangulares e redondos. O resto da sala, mobilada com armários arrecadação e bancadas de serralharia, em cada canto de bancada um torno manual fixo ao tampo, em cada torno um macaco azul com um aprendiz de serralheiro dentro. E lima e lima e encaixa as peças… não encaixa… volta a limar e mais limar e encaixa as peças… não encaixa… e mais lima e lima e encaixa as peças… gaita, agora encaixam mas com folga – nota do tradutor: deve substituir-se a palavra “gaita” pela palavra correcta – não, não a digam, pensem só, porque por enquanto o pensamento é livre, a palavra não. Ao fundo da sala, lado oposto e mais distante do mestre, dois macacos, preenchidos com os respectivos aprendizes de serralheiro, juntam-se em amena conversa, conversa interessante pois conseguem abstrair-se do local e do presente. A amena cavaqueira está “tão legal” que nem se apercebem do “grito de alerta”: ÓH ABRE… todos se baixam e se protegem com as bancadas menos os palradores que só dão pelo martelo de bola quando ele bate com estrondo na bancada. Por cima de nós umas vezes voa o martelo ou, se este já tivesse sido usado, ia a escova de limpeza de limas. Depois da risada geral, vinha a ordem: - tragam-me cá o brinquedo. E os dissuasores, quais pilares de manutenção da boa ordem, regressavam ao seu local… o tampo da secretária do Mestre Raul que transbordava de felicidade naquele seu simpático sorriso de gozo brincalhão de que tão bem nos recordamos. Um abraço a todos em especial a si, Mestre Raul Silva A.Justiça Comentário: Este é um dos momentos altos deste blog. Obrigado Alfredo por teres partilhado com todos nós a descrição perfeita de uma oficina de serralheiros (que não conheci)e a relação boa, que existia entre alunos e mestre, nesses distantes anos da nossa curta passagem pela velha «Escola Velha» ! (porque não dizê-lo, sempre que volto ao parque de estacionamento das Cinco Bicas, cria-se um apertozinho no peito). Ao ler a história estava a rever a minha curta passagem pelos Trabalhos-Manuais, bem ao lado da vossa oficina, e o Mestre Mateus tentando ingloriamente que os meus bocados de madeira fossem limados em esquadria. Pura perca de tempo! J.L.Reboleira Alexandre.......21-03-2010 Amigo Justiça, parabéns por não desistires de dar o teu contributo a este blogue que está a ficar um pouco dependente só de alguns que teimam em o manter vivo, embora tivessem passado na nossa escola uns bons milhares de alunos. Fizeste uma boa leitura como era na altura a "tua" oficina da aprendizagem no curso de Serralheiros e eu vou tentar dar a leitura como era a sala das oficinas uns anos antes. Não sei ao certo o que teria sido aquele imóvel comprido que ficava mesmo em frente do portão de ferro que dava acesso à Mata e que se situava já dentro do recinto escolar e que talvez por ter estado ligado à GNR. tivesse sido arrecadação de algo. Como o Curso de Serralheiros estava no seu inicio, aí foram feitos alguns melhoramentos de limpeza e apresentação para se instalar umas bancadas compridas no meio do imóvel com espaços entre as mesmas no sentido mais longo (norte/sul) e espaços entre elas e as paredes nos dois sentidos (leste/oeste). Ao fundo, lado Norte, uma fresadora, um torno mecânico, um pequeno limador, uma rebarbadora de bancada "ismoril" e mais umas maquinetas que não me lembro. No lado Sul uma pequena forja (não de fole), uma bigorna....e possivelmente uns martelos. Cada uma destas celebres máquinas têm a sua história. O torno mecânico era de "rodas de muda" o que não era nada fácil os cálculos, através das fracções contínuas. A fresadora tinha o "prato de furos", que mediante os cálculos se podiam fazer rodas dentadas, só que o Mestre Braz errou os tais cálculos e a roda ficou com o ultimo dente maior que os outros e o celebre limador que estava numa posição que não era nada aconselhável, no que respeitava à segurança pois fazia um trajecto para a frente que cortava o material e trajecto oposto em ponto morto e que nos permitiam um ajustamento até quase bater na parede o que servia para partir nozes que o Manuel Mogo trazia. Com a forja por vezes alguém trazia, chouriço e lá se assava às escondidas, mas o cheiro ficava. Também na minha altura já se a tiravam martelos pelas bancadas fora e quando apareceu o Mestre Borrelho ele já era mais duro connosco no que respeitava a brincadeiras perigosas. Penso eu que no ano de 1958 recebemos na escola ou melhor nas oficinas, um "novo" torno em segunda mão vindo da Afonso Domingues a que o nosso director pediu para que fossemos ajudar na instalação e como na altura não havia maquinas para o empurrar para o devido local teve que ser levado à base de força animal (nós). Lembro-me da exclamação do Silvino Neto quando viu aquele pequeno monstro " parece um báaarco". No fim o nosso director amado e não amado por muitos deu a cada um um de nós 20$oo ,uma pequena fortuna naquela época, Desta geração saíram os Mestres Raul, Gabriel, Apolinário Soares, .Manuel Mogo e o Raínho. Pelo menos 50 anos já passaram além destes acontecimentos e isto é o que a minha memória ainda guarda, mas pode haver alguns lapsos. Talvez para a próxima eu conte como eram feitos os trabalhos de oficina. Chaves..........25-03-2010 Amigo Chaves Gostei de recordar a descrição das Oficinas. No meu tempo o primeiro ano de serralheiros era tirado nas instalações que descrevi, no nível da cantina, e de máquinas salvo erro, só existiam berbequins verticais fixos, pois o primeiro ano era destinado “á arte de serrar e limar” manuais, e faziam-se peças para encaixe que, como bem se lembram, eram uma valente estopada limar em esquadria e com medidas e precisão tais, tiradas a paquímetro de escala de nónio, que qualquer pequeno erro deixavam as faces limadas rombas ou redondas, convexas ou côncavas, e o encaixe ficava “a ver-se o céu através do metal”. As aulas eram ministradas pelo Mestre Raul Silva. Depois o segundo e terceiro ano é que já decorriam nas Oficinas que descreveu mas, e não quero errar ou ferir susceptibilidades, o Mestre já era outro. Lembro-me de três, Mestre Flor da Silva, Mestre Raínho e Mestre Apolinário. Aí sim, nessas Oficinas já existiam diversas máquinas embora que, comparadas com as que vieram para a Escola nova, eram obsoletas. Desde os limadores, a tornos mecânicos, até um torno revólver existia, pasme-se, destinado a fazer roscas em porcas e parafusos seguindo á risca os cálculos para diâmetros e passes de rosca, uma fresadora com cabeçote escatelador, para fazer escatéis claro… (as coisas que eu me lembro), passando pela sala das forjas, que não servia apenas, tal com no seu tempo, para moldar o aço mas também para uma ou outra assada, o que não deixava de ser uma arte bem mais precisa que a outra. Um descuido e lá se estragava a matéria prima e esta era bem mais difícil de substituir pois deixava um amargo de boca enorme. É bom recordar… Um abraço A.Justiça.........25-03-2010 Aquele imóvel comprido que "virou" oficinas dos serralheiros eram as cavalariças da GNR. Se bem me lembro, na zona das cavalariças esteve a cantina, creio, mais do que um ano. A descriçâo que o Chaves faz da oficina, respectiva maquinaria e forja é perfeita. Quando saí, em 1958, concorri à Marinha de Guerra e nas provas de admissão à Escola de Máquinas, vi, comparando com 200 e tal concorrentes para 30 vagas que, "Aquelas Oficinas" e os Mestres que tive, me deram uma boa preparação muito acima da concorrêcia. Amigo Chaves, já cheira a Maio. As passagens já estão marcadas? Santana........26-03-2010

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