domingo, 16 de dezembro de 2012

A Escola Primária

O João Ricardo, ou Balé como era conhecido pela malta da Escola, não pára de nos surpreender.
Então não é que o Rapaz, além de bom Guarda-Redes, até escreve bem.
Pois bem o Ricardo conta-nos como foi a sua entrada para a Escola Primária.
Para ilustrar o texto vem a propósito uma imagem do diploma de outro amigo da Escola, o Gandaio, que lá no Montijo, onde reside, acompanha o Blog mas tem sido muito pouco participativo.

A Escola Primária

No dia sete de Outubro como era regra nesse tempo, no ano de 1958, exactamente no dia em que fiz sete anos, iniciei o meu percurso escolar, na escola primária do Carvalhal, que distava cerca de cinquenta metros de minha casa. Era um privilegiado, pois os transportes escolares dessa época eram as pernas, morassem os alunos perto ou longe, chovesse ou fizesse sol.
Sem dúvida a Instrução Primária foi uma fase muito importante no meu percurso formativo. Não só pelos conhecimentos adquiridos, embora nesse tempo o grau de exigência fosse muito superior ao actual, mas essencialmente pela aprendizagem dos valores que devem nortear toda a nossa vida. É nesses quatro anos que, em complemento com a nossa vivência familiar, começamos a ser moldados, “formatados” e preparados (ou não), para enfrentar todos os desafios que a vida venha a colocar nos nossos caminhos. É aqui que começamos a saber o significado de muitas palavras cujo sentido devemos utilizar em muitas situações do nosso dia-a-dia. É aqui que começamos a conviver, a aprender, a fazer amigos, a partilhar, a aprender o significado de palavras tão simples como o sim e o não. 
Com um belo aspecto exterior, pois tinha sido inaugurada há meia dúzia de anos, a escola primária do Carvalhal, era como depois vim a saber igual a tantas outras, de norte a sul do país. Um quadro negro com giz e apagador, o mapa de Portugal Continental e das então províncias ultramarinas, os retratos de Salazar e de Américo Tomaz e um crucifixo símbolo da religião católica – não conhecia outra – eram decoração obrigatória das paredes. Carteiras duplas de tampo inclinado e com tinteiro encaixado que era para molhar os aparos das canetas então usadas, a secretária do professor/a e um globo com o mapa-mundo, completavam o mobiliário da sala de aula que era antecedida pelo vestiário onde ficavam as batas brancas usadas durante as aulas e os agasalhos (de quem os tinha) no inverno. Do material individual fazia parte uma lousa ou ardósia de xisto negro onde se escrevia (riscava) com um ponteiro do mesmo material e um apagador de tecido, uma caneta de aparo, lápis “Viarco”, uma borracha para apagar lápis outra para a tinta, que se manuseada com pouco cuidado furava o papel, e cadernos – entre os quais um de duas linhas – cujas capas eram aproveitadas pelo regime para fazer propaganda política, através de desenhos, exaltando a Mocidade Portuguesa, ou acontecimentos que o Estado Novo queria realçar.
A entrada na 1ª classe foi o primeiro, mas não o mais marcante choque da minha vida. Uma nova vivência, novos colegas, nova disciplina a convivência diária com rapazes bastante mais velhos, pois era frequente, devido aos chumbos, haver na quarta classe alunos com 14 e 15 anos e a sala era única para as quatro classes. Com raparigas é que não havia misturas embora a escola fosse mista. Rapazes de um lado, raparigas do outro.
Com uma acentuada exigência na aprendizagem mas também no comportamento e na disciplina – a régua, a palmatória e a cana-da-índia faziam parte do material pedagógico – o ensino, embora fosse apenas uma professora/educadora para as quatro classes, era tanto quanto possível individualizado dando a cada aluno a possibilidade de expressar o seu grau de aprendizagem. Claro que hoje é legítimo questionar o tipo de programa escolar então leccionado. Os rios e seus afluentes, as linhas de caminho-de-ferro, suas estações e apeadeiros, são apenas alguma matéria que pode ser considerada supérflua, mas que tinha de estar na ponta da língua. Mas também tinha que se escrever bom português, sem erros ortográficos, a tabuada tinha de ser “cantada” de cor e salteada de trás para a frente e da frente para trás, e tínhamos de resolver problemas já com elevado grau de dificuldade. Saíamos preparados para o patamar de ensino seguinte ou para a vida profissional que era o destino de muitos colegas quando acabavam o ensino obrigatório.
Havia dentro do recinto em frente à escola, um pequeno terreno onde eram feitos quatro canteiros. Cada um deles era destinado a uma das classes que tinha que o amanhar e decorar a seu gosto. Ou com flores, ou com hortícolas ou com ambas, ficava ao critério dos alunos. Já obrigava a um trabalho de grupo, com discussão e debate de opiniões até se chegar a consenso, ou na falta dele, a respeitar a vontade da maioria.
Em contraste com os tempos atuais era uma época em que os professores eram respeitados e a quem os pais na sua maioria entregavam com total confiança o ensino e como que delegavam a educação de seus filhos.
Aqui fiz o meu percurso escolar básico (4ª classe) e me preparei para o Exame de Admissão que me deu acesso ao patamar seguinte do ensino, que na altura tinha duas vias. O colégio que tinha um ensino mais abrangente, mais vocacionado para quem pretendia seguir o ensino superior, ou a escola preparatória e secundária que nos dava um ensino mais técnico e prático. Optei pela segunda hipótese, fazendo os dois anos de Ciclo Preparatório na Escola Rafael Bordalo Pinheiro (escola velha) a funcionar então por trás do chafariz das cinco bicas (onde se realizava a praxe com o baptismo dos caloiros), nas atuais instalações dos serviços administrativos do Hospital Central de Caldas da Rainha.

João Ricardo

Comentários:

Nos meus 2 anos de Ciclo havia um colega lá dos lados do Bombarral que se chamava João Manuel Gomes Ricardo. Não duvido que seja o mesmo, já a alcunha de Balé me era desconhecida. Penso ainda que tinha algum jeito para a bola e fez parte duma famosa (na zona claro)equipa de juniores do CSC. As memórias do Ricardo, são um pouco as nossas memórias. Só nunca recebi o meu diploma da Primária nem nunca plantei flores no recreio da escola. Havia coisas «mais interessantes» para fazer. Já o fiz no FB, mas acrescento aqui. Um belo texto, onde as memórias deste antigo colega, saiem com fluidez e aparente facilidade. Abraço do Canadá.

J.L.Reboleira Alexandre...........16-12-2012

Gostaria de agradecer ao João Ricardo este belo texto que reflete certamente as memórias de todos nós, quando entrámos pela primeira vez na escola primária, salvo raras excepções como por exemplo quem morava na cidade.
No meu caso pessoal, morava na rua Formosa, próximo dos prédios do Viola.
O meu pai levou-me na bicicleta até à escola do Bairro da Ponte.
Quando lá chegámos ele disse-me: Olha meu rapaz, é aqui que vais aprender a ser homem. Desenrásca-te porque a partir de amanhã começas a vir sózinho para a escola. E foi o que aconteceu, todos os dias ía a pé para a escola.
No entanto devo de esclarecer que eu já tinha quase 8 anos de idade.
Isto devido a uma lei estúpida do Salazar, que determinava que quem fizesse 7 anos depois de Setembro, só entraria para a escola no ano seguinte.
Como o meu aniversário é em Dezembro, não tive outro remédio senão andar mais um ano a brincar com uma bola de trapos antes de aprender o B+A=BA
Aproveito para deixar aqui um reconhecimento muito especial ao sr professor Albino (que mais tarde foi presidente da câmara de Óbidos) pois foi ele que me ensinou a ler, escrever e a compreender os algarismos.
Todos os outros professores que tive a seguir, apenas desenvolveram as sólidas bases que este professor conseguiu meter na minha cabeça.
Permitam-me que vos deseje um Santo e Feliz Natal a todos os frequentadores deste blog, em especial ao Zé Ventura, que tem feito um trabalho extraordinário para manter bem vivo o interesse destas páginas
Um grande abraço daqui do Canadá.

Faustino Rosário............23-12-2012

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