domingo, 28 de novembro de 2010
O último texto do Alfredo Justiça
O texto deste “Post” faz parte de uma serie deles que o Justiça nos enviou e ainda não tinha sido publicado.
…E como vem a propósito.
Com esta REFLEXÃO fica aqui a nossa homenagem a um colega que deixa um vazio neste Blog.
Reflexão...
Contei os meus anos e descobri que
terei menos tempo para viver daqui para frente
do que já vivi até agora.
Sinto-me como aquele menino que ganhou uma tigela de cerejas.
As primeiras, ele chupou-as displicente,
mas percebendo que faltam poucas,
agora até rói o caroço.
Já não tenho tempo
para lidar com mediocridades.
Não quero estar em reuniões onde desfilam egos inflados.
Não tolero gabarolices.
Inquieto-me com invejosos tentando destruir
quem eles admiram,
cobiçando os seus lugares,
talentos e sorte.
Já não tenho tempo
para projectos megalómanos.
Não participarei de conferências
que estabelecem prazos fixos
para reverter a miséria do mundo.
Não quero que me convidem
para eventos de um fim de semana
com a proposta de abalar o milénio.
Já não tenho tempo
para reuniões intermináveis
para discutir estatutos,
normas, procedimentos e regimentos internos.
Já não tenho tempo
para administrar melindres de pessoas,
que apesar da idade cronológica,
são imaturas.
Não quero ver os ponteiros do relógio avançando
em reuniões de "confrontação", onde "tiramos factos a limpo".
Detesto fazer acareação de desafectos
que lutaram pelo majestoso cargo de secretário geral do coro.
Lembrei-me agora de Mário de Andrade que afirmou:
"as pessoas não debatem conteúdos, apenas os rótulos".
O meu tempo tornou-se escasso para debater rótulos.
Quero a essência, a minha alma tem pressa...
Sem muitas cerejas na tigela,
quero viver ao lado de gente humana,
muito humana;
que sabe rir dos seus tropeções,
não se encanta com triunfos,
não se considera eleita antes da hora,
não foge da sua mortalidade,
defende a dignidade dos marginalizados,
e deseja tão somente andar ao lado do Bem.
Caminhar perto de coisas e pessoas verdadeiras,
desfrutar desse amor absolutamente sem fraudes,
nunca será perda de tempo.
O essencial faz a vida valer a pena.
Nada neste mundo faz sentido
se não tocamos o coração das pessoas.
Se a gente cresce com os golpes duros da vida,
também pode e deve crescer
com os toques suaves na alma.
Alfredo Justiça
Comentário:
Obrigado Alfredo pelas excelentes leituras que me ofereceu. Tambem não o conheci pessoalmente. Comecei a interessar-me pelos textos que ele expôs e fiquei entusiasmado pela qualidade demonstrada. Muita sensibilidade.
Daquela que nos habita... Que faz de nós seres menos preguiçosos e vaidosos. Textos que nos incitam para uma esperança mais própria às necessidades elementares do homem. Condolências às filhas do Alfredo Justiça e coragem a um outro "arranque" para a vida.
João do Rosário
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