quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Crónicas de um Olhanense

AS BOTAS DE COURO E A AJUNTADEIRA
1943 - Ainda vivíamos em plena segunda guerra mundial, e naquele tempo a vida não estava nada fácil. Eu já andava no segundo ano da Escola Industrial, mas o calçado que usava, eram as chamadas botas de couro, cardadas e com protectores.(suponho que todos sabem do que falo) Sapatos só para os meninos ricos, ou se os tínhamos só se calçavam aos Domingos quando íamos a Lisboa passear com a família. Um belo dia o meu pai entregou-me um par de botas que necessitavam de ser cosidas à máquina, trabalho que habitualmente era feito por algumas profissionais que possuíam máquinas próprias para esse efeito, e a quem chamavam de Ajuntadeiras. Como em Caxias não havia ninguém que fizesse este trabalho e eu andava na Escola em Alcântara, ele pediu-me para eu procurar por lá alguma pessoa que trabalhasse nesta profissão. Na Escola tinha vários colegas que residiam em Alcântara, e como tal pedi a um deles, se conhecia alguma Ajuntadeira para me coser as botas. Ele, muito solícito, indicou-me logo o nome duma rua e número de porta onde encontraria uma Ajuntadeira competente. Lá foi o bom do Fernando convencido que tinha o problema resolvido. Subi ao primeiro andar, bati à porta, e, muito calmamente apareceu um mulher já de certa idade que ao saber o que eu pretendia, me respondeu com ar brincalhão: Olha meu menino! Aqui há uma Ajuntadeira sim! Mas é de meninas! (Tratava-se duma casa de prostitutas) Devo ter ficado mais vermelho que um Pimentão, e se ali houvesse um buraco tinha-me enfiado por ele abaixo! Curiosamente não me recordo quem foi o patifório que me pregou tal partida. Lembro-me sim, que ele não me perguntou se tinha encontrado a casa, e eu, para ele não gozar comigo, fiquei calado e não lhe agradeci a informação. Contudo, foi um dos colegas que nunca mais pude ver à minha frente! Fernando Santos.

Comentários: O Fernando é um pouco mais velho, mas pelo texto quase que adivinhava que andava na Marquês de Pombal. Não vou adiantar nada ao que ele disse, mas esta escola tem para mim um significado especial. Ainda não tinha 17 anos, dirigi-me à estação do Bouro e lá apanhei a automotora das 6 da manhã para Lisboa. Destinava-me a uma velha casa no Largo de Vitorino Damásio, no 4º andar, sem elevador. Chegado ao Rossio, comecei a contar quantas vezes tinha de voltar, ora à esquerda ora à direita, como a minha mãe me tinha dito, e lá fui direito ao Camões, descendo pela Poço dos Negros até atingir o tal prédio, onde deveria passar alguns dias para fazer o meu primeiro exame de admissão ao ICL, na Marquês de Pombal, que achei enorme, comparada com a Bordalo! O problema é que a rendeira, minha senhoria, que vinha da Quinta Nova, ali perto de Famalicão, não só alugava quartos a jovens da província mas também a algumas meninas de Lisboa, que para meu mal viviam sozinhas nos respectivos quartos, e padeciam de imensa solidão, dando-se a práticas algo estranhas para mim. Como o isolamento e a impermeabilidade entre os muros era mais que insuficiente muitas vezes era-me impossível concentrar no estudo da Matemática pois havia uns roídos que eram bem audíveis para aquele jovem de 16 anos, acabadinho de chegar do Chão Da Parada. O resultado foi que durante os exames lá na Marquês, não sei se lia os pontos se ouvia os sussurros da noite anterior. O resultado foi um 3 no exame das Matemáticas, e o chumbo em consequência. No ano seguinte, com imensa pena , tive o cuidado de avisar os meus pais que se queriam que eu entrasse no ICL deveriam encontrar outro quarto, apesar de nunca lhes ter explicado a razão. Felizmente resolveram o problema e no ano de 69 lá consegui as positivas necessárias para prosseguir os estudos na capital! J.L. Reboleira Alexandre.....19-02-2010 As botas… A estória da ida à Ajuntadeira com o intuito de coser as botas com solas cardadas imagino que terá sido confrangedora, mais a mais na época em que isso aconteceu. Nasci uns anos mais tarde mas ainda apanhei a era das vacas magras proveniente do pós guerra. Apesar do País não ter entrado na Grande Guerra sofremos na pele os seus efeitos económicos de que saímos muitos anos depois… ¿será que saímos?... ainda hoje a pergunta é pertinente pois parece-me que sempre vivemos na “corda bamba” no que à economia diz respeito, já para não falar de outras áreas. Recordo as primeiras botas que o meu pai me fez. Na altura, 1949, ele era reformado das Companhias Reunidas de Gás e Electricidade e tomou o ofício de sapateiro para ajudar a reforma e a manter-se ocupado, para além de outras actividades que desempenhava. Passei o tempo da instrução primária descalço ou de sandálias e quando chegou a altura do exame da quarta classe o mesmo era feito na escola da aldeia vizinha. Para não ir descalço fazer o exame foi resolvido, pela família, que iria estrear umas botas. Chegado o dia elas apareceram na forma de botas em cabedal amarelado, cor natural, cano curto, atacadores e sola de pneu. Recordo que não andava, marchava, pois era difícil caminhar com todo aquele peso em cada pé habituados à liberdade. Feito o exame com sucesso, manhã escrita, tarde oral, na saída para almoço encontro o meu pai, que se tinha deslocado na bicicleta, e me levou para comer meio pão de 16 (era assim designado pois custava 16 centavos e o maior 22 centavos, pão de 22, feitos de farinha de trigo, para não falar do outro, maior, que era de centeio e custava 17 centavos), e uma farinheira no meio, hoje seria uma sandes de farinheira. Imaginam, por certo o fabuloso repasto para o almoço que, lembro, comi com gosto, pois naquele tempo tudo o que saía do pão com azeitonas era um verdadeiro pitéu. Ao fim da tarde regressei a pé à aldeia, descalço, claro, já com o exame feito, as botas atadas uma à outra pelos atacadores, e penduradas ao pescoço. Chegado a casa e pela minha cara alegre o meu pai ficou a saber do êxito e ainda hoje recordo com nostalgia a alegria orgulhosa do seu semblante por ter um filho com a quarta classe, ele que apenas sabia “desenhar” o seu nome. Faltava ainda o exame de admissão à Escola Industrial e Comercial. Durante esse intervalo, entre exames, com estudo e “jogatanas” de futebol, descalço claro está, que as botas não eram para estragar, foi-me preparada uma surpresa. O Sr. “Ingenheiro” não podia deslocar-se à Capital do Concelho para fazer o exame de admissão calçado com umas botas rústicas, então, no dia do exame foram-me presenteados uns belos sapatos pretos feitos de calfe, acompanhados por umas roupinhas catitas e meias, imagine-se! Levados no Táxi da aldeia (táchi para nós) lá fomos todos, eu, os meus colegas e a professora, para a Capital do Concelho onde fiz o exame de admissão com sucesso. Regressados à aldeia e perante a euforia do momento, o meu pai montou a bicicleta e foi comprar à aldeia vizinha, três foguetes que estralejaram no céu do Largo. Bendita inocência desses tempos. Um abraço A.Justiça..........19-02-2010

Bem...a história do amigo Fernando Santos e o comentário do Amigo Reboleira e do Justiça são interessantes...mesmo muito interessantes... Mas eu vou focalizar o meu comentário para outros assuntos... 1943 refere o amigo Fernando...um ano muito importante para mim,pois foi precisamente nesse ano que este vosso amigo viu a luz do dia...de outra maneira jamais teria tido a ventura de poder dizer com orgulho que fui aluno da Bordalo... Mas o amigo Fernando falava em botas de cabedal com protectores e isso não era só um exclusivo dos jovens desse tempo, pois no meu tempo, embora já usássemos sapatos, sobretudo os que eramos oriundos das aldeias vizinhas também calçavamos as tão famosas botas, que eram impermeabializadas com sebo... Pois eu também as tive e outros "também moldaram os seus pézinhos com esses moldes" (que mais tarde até voltaram a estar novamente na moda...)... E era calçados com elas que alguns de nós jogávamos à bola pelo meio dos plátanos da Mata, embora alguns já tivessem botas de futebol ou sapatilhas... Pois um dia andávamos numa grande jogatana, creio que eu, o Marques, o Sena mais alguns...e o Amável... Sim o Amável que eu gostaria de ver nos nossos encontros mas que prefere certamenmte outras ocupações... O Amável estava a jogar contra mim e possivelmente sem querer...dei-lhe uma canelada... O Amável, concerteza para amenizar a dor...prega-me um valente pontapé no traseiro e a sua bota de cabedal...não aguentou e abriu de lado a lado... Não sei como resolveu ele o problema quando chegou à sua aldeia do Valado de Santa Quitéria (creio que é de lá...)...mas não me admirava mesmo nada que lhe tivesse doído mais a justificação do que a´mim a biqueirada, que por sorte minha assentou bem...e doeu pouco...!! Um abraço para todos... Maximino.....19-02-2010 Olá amigos! Vou tentar responder a todos aqueles que tiveram a gentileza de comentar o meu texto das botas de couro. Diz o Reboleira Alexandre que eu devo ser um pouco mais velho que ele. Sim, e creio que mais ou menos vinte anos, mas isso não tem qualquer importância. Aqui no blog somos todos da mesma idade. Tem sido para mim um grande prazer quase todas as noites visitar o blog da Escola e ver o que se vai por lá passando. O apelo do Zé Ventura deu resultado. Agora não são só fotografias. Já vão aparecendo algumas estórias que estavam guardadas no no fundo da gaveta, como esta do R. Alexandre sobre os quartos das meninas que ao principio o deixaram muito intrigado. Pudera! Com aqueles ruídos tão estranhos quem poderia dormir ou estudar para o exame? Ó amigo Reboleira, o ano foi ao ar, mas digo-lhe sinceramente que gostei desta estória! Quanto à Marquês de Pombal, andei lá sim senhor, mas não naquela onde o Reboleira fez o exame. A minha, era a velha E.I.M.P. Escola Industrial do Marquês de Pombal, e situava-se no primeiro edifício à esquerda da rua dos Lusíadas em Alcântara. A que o Reboleira conheceu, foi certamente a nova Escola que fica para os lados de Belém. A. Justiça que há tempos atrás dizia não saber o que contar, tem-nos deliciado com interessantes estórias de tempos passados. Hoje levou-nos à sua Aldeia e às suas origens. Desde as botas com sola de pneu, ao final com direito a foguetório, lembrou o pão de 16, 22 e 17 centavos, o exame de admissão com sapatos pretos em calfe, (coisa fina) a sandes de farinheira ( bem bom!) e o " táchi" para a Capital do Concelho. Bolas! É preciso ter boa memória! Venham mais estórias como esta amigo Justiça, que eu fico à espera. O Maximino diz que viu a luz do dia dez anos depois de me ter acontecido o mesmo (Não foi em Dezembro Não?) Como muitos outros também não escapou às botas de couro com protectores, e conta outra estória muito engraçada, em que no final do jogo a bota do Amável não resistiu ao ao pontapé no seu traseiro. O meu obrigado e um abraço para todos. Olhão, 20-02- 2010 Fernando Santos. Caros amigos depois de ler as vossas boas e engraçadas estórias das botas de couro, não aguentei sem também dar o meu contributo, pois penso que quase todos os rapazes da nossa época, tiveram na sua infância umas botas de couro. Eu assim como os restantes comentaristas deste tema tambem as tive e também era o meu Pai que as fazia, pois para a queles que me conhecem melhor, o meu Pai também foi sapateiro antes de ser funcionário dos Correios, Carteiro mais propriamente, mas quando eu era mais novo ele é que me fazia as botas e os sapatos, sim eu também tinha que ir à senhora ajuntadeira como todos vós, só não tenho lembrança de algo diferente, ou barulhos esquesitos, fui sempre a uma ou outra casa cheia de sapateiros e a senhora estava normalmente num quarto á parte para não ouvir as anedotas ou as asneiras dos homens , que por vezes naquele tempo seriam ofensivas pensava eu. Quanto á minha estória ou estórias das botas era quando eu andei na escola primária no bairro Albano ao pé da entrada do Parque de Campismo das Caldas e vivia na Avenida ao pé dos Bombeiros ia para a escola pela praça do Peixe antiga e pela descida por de trás do Pinheiro Chagas que acho que se chamava a Calçada do Charuto, eu começava no alto da ladeira a escurregar com as brochas ou sejam as chamadas cardas a fazer faiscas e só parava no alcatrão da estrada da Foz, era a minha forma de as gastar e ficarem mais leves porque eram bem pesadas e duras eu tambem tinha que as ensebar, mas o meu pai não usava sebo, era gordura das galinhas acho que lhe chamavam enxundas de galinha, que aquilo não era um bom piteu. Não tenho memória de algum colega me desafiar ou provocar quando usava as botas, pois tambem eram uma arma de defesa para aqueles que se tornavam valentes, as botas davam conta das canelas dos mais teimosos. A unica parte negativa que eu tenho das botas, foi na nossa escola velha, foram causadoras de eu perder o ano lectivo por as ter usado em defesa propria, eu estava numa aula de trabalhos manuais em que o Mestre Cadete, ajudante do Mestre Mateus, e eu precisava de uma indicação do M. Cadete para um trabalho que eu estava a fazer, mas ele não me respondeu quando passou por mim eu fui atrás dele e chamava-o e ele não me dava a atenção que eu desejava toquei-lhe no ombro e ele virou-se e deu-me uma tamanha chapadona na cara, que eu vi estrelas, eu não tive mais nada dei-lhe um ponta-pé nos Jo. Joelhos com as ditas botas de couro. Ele agarou-me pelo braço e pôs-me na rua expulso da aula e deu-me uma falta em vermelho. Eu não aceitei a reacção e atitude dele, onde começei a dizer-lhe que esperava por ele lá fora e que tinhamos mais que acertar. Pois escusado de dizer esperei por ele mas não de perto pois ele era muito mais forte do que eu, mas ainda enviei algumas pedras na direcção dele. Com tudo isto naquele ano nunca mais fui á aula de trabalhos manuais e como o meu Pai era carteiro o cartão das faltas vinham para casa por mão dele, um certo dia o meu Pai chega a casa começa a tirar o chapeu e o cinto e a chamar por mim eu vi logo que o rato estava apanhado. Pois é! só tinha 19 faltas naquela desciplina e uma valente tareia do meu Pai que quando ele me começou a perguntar a razão que eu tinha tantas faltas é que eu lhe expliquei. Finalmente ele parou de malhar e me disse se eu lhe tenho dito o que se tinha passado que ele é que tinha ido falar com senhor Director e tinha feito algo que resolvesse este problema em vez de eu ter faltado á aula e em torno chumbar o ano por faltas. Não tenho saudades das minhas botas de couro, não me dei bem com elas, gostei mais da botas que o meu pai mandou fazer ao senhor Adelino Melro mais tarde, mas para jogar futebol com essas dei-me melhor. Um abraço a todos e obrigado por todas as estórias da nossa infância. Antonio Abilio ...........27-02-2010

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