quarta-feira, 21 de julho de 2010

A Matança do Porco…

Na minha memória mais longínqua, estão também ainda as matanças do porco, que se faziam então regularmente na minha aldeia. Em minha casa não se matava o porco, as possibilidades económicas de meus pais não o permitiam, mas na família, havia muito quem o pudesse fazer. Assim, todos os anos em pleno inverno invariavelmente decorriam as matanças, tinha que ser nessa época do ano, pois nesse tempo ainda não existia a possibilidade de usar as arcas frigorificas que vieram revolucionar o sistema de conservação das carnes pelo frio. Matar um porco, era o governo de uma casa para o ano inteiro, por isso tanto cuidado na alimentação do animal, normalmente à base de beterraba, abóbora, as batatas mais miudas, couves, às vezes algum feijão bichado e milho, que iriam possibilitar que a panela pudesse ser devidamente temperada ao longo do ano, para satisfação alimentar e felicidade da família. A matança do porco, que para os adultos não deixava de ser uma normalidade, embora fosse em parte também um escape para o dia a dia de trabalho árduo no campo, era uma festa para a gaitada. Manhã cedo, juntavam-se os homens da família e os amigos, invariavelmente convidados para a função da matança e de tudo o que girava em volta desse acto, tradicional na vida das nossas gentes de então. Amolavam-se as facas, lavava-se a banca e as mulheres preparavam os panos necessários para as diversas funções, o alguidar de barro vidrado com o sal e o vinagre e umas folhas de louro e alguns dentes de alho, para fazer a recolha do sangue que sairia da ferida, feita com a entrada da faca do matador, que picaria o coração do suíno e o faria morrer. Antes do inicio das tarefas, pesticavam-se uns bocados de bacalhau assado temperado com alho e bastante azeite, a pingar em cima do pão de trigo cozido especialmente para esses momentos, bebiam-se uns tintos ou uns brancos, às vezes um abafadinho ou um cálice de aguardente com açúcar e depois lá iam direitos à pocilga, onde o porco olhava inocentemente o cocho vazio, uma vez que na véspera lhe não era dada qualquer refeição, para que ficasse mais limpo de intestinos, o que facilitaria depois a preparação da limpeza das tripas. Abria-se a portinhola da pocilga e dois homens lançavam as mãos às orelhas do suíno que reagia invariavelmente, chiando e fazendo marcha-atrás e não raro também, tentando atingir com os dentes quem o queria agarrar assim tão rudemente. Aproveitava-se a boca aberta do bicho para nela enfiar a corda que o matador transportava atravessada sobre os ombros, o que permitia controlar melhor o bicho.. Era laçada uma das patas traseiras e ora puxando, ora empurrando, lá se ia chegando o porco para junto da banca onde se procederia à matança, não raro, a dona da casa levava à frente do bicho um saquinho com grãos de milho, para o enganar, dizendo-lhe: chaninho, chaninho, chaninho, ao mesmo tempo que ia deitando uns grãozito para o chão… e o pobre do animal lá ia ao engano pelo seu pé, até ao local em que seria sacrificado. Lá chegados, o momento era de extremo cuidado e expectativa … a uma voz, quatro ou cinco homens deitavam as mãos ao animal e lançavam-no para cima da banca que entretanto alguém inclinava para a frente, para facilitar a operação da aproximação do porco à mesma, depois era necessário que as mãos calejadas pelo trabalho no campo, agarrassem firmemente e com mãos de se ver o bicho, evitando ser por ele mordidos, ou que alguma das aguçadas unhas pudessem apanhar alguém, em local menos próprio, onde poderia fazer estragos mais ou menos graves. Bem preso o animal, o matador raspava os pelos com a afiada faca no local da incisão e de seguida, enfiava a mesma entre os ossos do tórax, na direcção do coração da vítima, era o início do fim. O porco chiava aflitivamente e o sangue começava a correr para dentro do alguidar de antemão preparado, algumas vezes o animal morria rapidamente, o que não era desejável pois isso não permitia que saísse o sangue que se entendia necessário, para fazer os negritos e para melhor conservação futura das carnes… Aos poucos o estertor do bicho ia diminuindo… às vezes um último assomo de vida parecia voltar e ouviam-se mais uns grunhidos, que logo de seguida baixavam de intensidade, até que o porco restava finalmente morto, enquanto uma das mulheres que recolhera o sangue continuava a mexê-lo para que não coalhasse. Às vezes nós os mais novos, impressionados com a violencia daquele acto, lá deixavamos escapar um condoído coitado...no que eramos de imediato repreendidos pelas mulheres que se apressavam a dizer-nos: não digas isso, porque senão ele leva mais tempo a morrer. Quando finalmente o porco morria, o matador pegava numa rodilha branca bem limpa e introduzia-o pela abertura feita no peito do suíno, cortando o excesso e metendo com a ponta da faca bem para dentro, o pano que se tinha cortado. Não se pense que a morte do porco era rodeada por extremos de malvadez e desejos sádicos de o fazer sofrer, não, tudo isso fazia parte de um ritual a que a prática ancestral dera razão de existir. Depois o animal era deitado no chão… iria ser chamuscado. O mato para chamuscar o porco depois de morto: o tojo, a urze, a marganiça, a carqueja e os engaços para fazer a raspagem dos pelos queimados, tinham já sido antecipadamente preparados pelo dono da casa na semana antecedente. Alguém largava entretanto o fogo a umas vides ou cepas que se mantinham por perto sempre vivas e nessa fogueira iam sendo sucessivamente acesas as paveias de urze, tojo e marganiça, enfiadas nos dentes de uma forquilha e passava-se com essa chama ao longo do corpo do suíno. A operação ia sendo repetida, tendo-se o cuidado de não queimar demasiado o toucinho, que rachava com o excesso de calor. Logo que o calor atingia o ponto necessário, alguns dos homens rapidamente começavam a raspar os pêlos queimados, uns com bocados de carqueja, outros com engaços guardados da última vindima e alguns com bocados de telha não afiados, ou uma navalha velha para não fazer cortes no toucinho, e todos rapidamente iam deixando o porco devidamente limpo, depois de ter sido devidamente chamuscado. Alguém se disponibilizava também, para a limpeza das orelhas do animal o que não era tarefa fácil e se guardava para os especialistas… Com uma enxada retiravam-se da fogueira algumas brasas, que se colocavam no interior das orelhas uma de cada vez e quando se pensava que já teriam feito o seu trabalho de queimar os pelos e dar alguma consistência à carne, as brasas eram retiradas dando umas pancadas nas orelhas e depois com uma faca ou uma navalha, iam-se limpando as mesmas lançando repetidamente água com um regador, até ficarem suficientemente limpas e raspadas. Outros preparavam também os pés do porco : colocavam antes uma telha sobre a parte do pé que ficava por baixo, para que não apanhasse calor demasiado e chegava-se o lume às unhas de cima, quando o calor já era suficiente, retiravam-se as unhas puxando por elas, à mistura com umas queimadelas que nem as mãos calejadas evitavam e muito à sucapa tentavam metê-las dentro dos bolsos dos mais distraídos, brincadeira que era sempre recebida com boa disposição…e mais uma rodada para molhar as gargantas secas pelo fumo e pelo calor. Quando um dos lados estava preparado, ou seja devidamente chamuscado e limpo, virava-se o porco e fazia-se tarefa idêntica do lado contrário. Entretanto ia sendo despejada água sobre o animal enquanto se raspava e limpava, até o toucinho ficar limpinho e com a textura considerada óptima. Quando finalmente o porco estava devidamente limpo passava-se à fase seguinte. O animal era retirado do chão e colocado sobre a banca onde era então feita a limpeza mais minuciosa e raspados os últimos pelos que ainda pudessem ter resistido à acção do claor. Um dos homens limpava o resto dos excrementos que estavam dentro da zona anal, num processo não muito higiénico aparentemente, pois era feito com os dedos e no fim era cortado um bocado de uma rodilha que era enfiada no ânus do porco e bem metida para dentro, transportando-se de seguida o animal na banca armada em padiola, para um lugar onde se procederia no dia seguinte, à desmancha do porco. O matador que era normalmente um homem com muita prática de matar e fazer tudo o que se relacionava com o trabalho posterior, para além do corte já referido à volta do ânus, caso se tratasse de um porco macho, procedia também a uma incisão à volta do pénis do animal. Fazia-se depois uma incisão desde a zona por debaixo da boca do porco e pelo meio da barriga até à parte traseira junto o local que já tinha sido cortado. Deslocava-se a carne que cobria as queixadas do bicho e abria-se a barriga e retiravam-se as tripas para dentro de um alguidar de barro suficientemente grande para as poder recolher e era dada aos mais pequenos, uma coisa pela qual haviam esperado ansiosamente: a bexiga do porco, na qual era de seguida pelos mais velhos introduzido um pequeno caniço por onde se sopraria para o enchimento, enquanto se iam dando com a mesma umas pancadas numa parede, para que esticasse e ficasse mais volumosa. Depois, seguia-se invariavelmente uma jogatana de futebol, até que a bexiga com muita pena da gaiatada finalmente rebentava, o que nos levava a que procurássemos outra brincadeira. Normalmente, um dos homens ia retirando as gorduras que envolviam as tripas, que eram guardadas para pôr no alguidar dos negritos e as tripas depois de limpas exteriormente, eram entregues às mulheres que partiam para junto de um curso de água ou de um poço, afim de procederem à limpeza interior das mesmas, para que depois fossem usadas para encher as linguiças, os negritos e as morcelas. Eram também usadas para fazer as chouriças de carne, tripas de vaca que se compravam nas mercearias da terra, ou na vizinha cidade das Caldas, já devidamente curadas e preparadas para o efeito. A limpeza das tripas era feita mais ou menos da seguinte maneira...: uma das mulheres ia cortando pequenos bocados de tripa que ia dando às suas companheiras de faina, estas pegavam-nas por um dos lados e aguardavam que com um regador fosse sendo vazada água pelo interior da tripa, fazendo com que a sujidade fosse saindo pelo outro lado, esta tarefa de deitar a água com o regador, era muitas vezes feita por algum dos miúdos e muitas vezes me calhou fazer esse trabalho e não se pense que era fácil, pois normalmente como essa tarefa era feita no Inverno, as mãos e os pés não deixavam de ficar enregelados . Depois de várias operações de vazamento de água e depois de concluir que o interior já estaria suficientemente limpo, a tripa era virada num caniço previamente espetado no chão junto ao local da lavagem - daí advém certamente o dito de chamar então… pau de virar tripas, às raparigas extremamente magras. As tripas depois de bem lavadas, eram metidas num alguidar de barro vidrado, o plástico ainda não tinha feito a sua aparição e nas mesmas era colocado sal, rodelas de limão e laranjas, sendo depois muito bem esfregadas. Finda a tarefa, as lavadeiras das tripas voltavam a casa, enquanto que outras iam já tratando da ceia, que no primeiro dia constava especialmente do popular e apreciado sarrabulho. Na preparação do porco os homens, normalmente o matador ou outro devidamente especializado pela prática, iam cortando alguns bocados de carne mais gorda - os bichos, que juntamente com o fígado e o pâncreas, serviriam para o sarrabulho. Entretanto ia-se limpado o interior do porco, retirando-se a língua, o coração e os pulmões que ficariam para o cozido do segundo dia da matança. Quando retirava o coração, restava sempre algum sangue na caixa torácica e então, alguém vazava vinho branco sobre o coração e o homem que estava a tratar do porco, lavava a caixa com o mesmo coração enquanto iam vazando a tal mistura de vinho com água, ou água-pé e no fim esta mistura de vinho e sangue era adicionada à carne dos negritos e a caixa torácica era devidamente limpa com um pano de algodão muito bem lavado, normalmente de cor branca (por expressar melhor a higiene, com a brancura…). Depois de retirar os pulmões, normalmente o homem ia cortando os diversos órgãos interiores e entregava-os a alguém ou ele mesmo fazia, enquanto ia invariávelmente dizendo para quem o acompanhava: se queres ver o teu corpo, mata um porco. Limpava depois muito bem a entrada da traqueia e soprava com força enchendo os pulmões do porco para que ficassem bem esticados, no fim picava-os com o bico da faca e os mesmo iam perdendo o ar, sendo posteriormente entregues a uma das mulheres, que já havia recolhido o coração, para seguirem para a cozinha afim de serem adicionados no dia seguinte ao cozido - que era o prato principal da matança do porco e do qual constava normalmente: o coração, os pulmões, que na aldeia se chamavam de bofes, a língua e alguns bocados de carne limpa do lombo, alguns bocados de toucinho mais magro, o rabo (se não tivesse sido assado e comido logo a seguir à matança do porco), as orelhas, alguns ossos e as partes da cabeça do animal, incluindo as queixadas e ainda algumas linguiças e negritos que tivessem sobrado da matança anterior, ou que se pediam emprestadas a algum familiar ou vizinho. O porco era então preparado para ser dependurado, afim de que todo o sangue escorresse, pois a carne para ser salgada e metida nos salgadores, ou salgadeiras como também se chamavam, não podia estar suja de sangue. Era usado para pendurar o animal, um pedaço de madeira, normalmente retirado de uma tranca de oliveira ou outra madeira rija, que fazia um pequeno ângulo e que na minha aldeia de chamava de escápula. As pontas eram um pouco cavadas para que o porco não caísse e no ângulo levava uma corda que servia para pendurar o porco nalguma viga ou barrote bem forte e atá-lo de forma a ficar com o focinho acima do chão e permitisse a colocação de um pequeno alguidar, que iria receber o sangue que escorreria nas horas seguintes. Para pendurar o porco, descobriam-se nas partes traseiras das pernas as linhas, assim se chamava aos nervos e era por esses nervos que o cadáver ficava pendurado na escápula. O porco era aberto para os lados com umas canas espetadas na barriga do animal de lado a lado e sobre essas canas ficavam penduradas as banhas, que posteriormente seriam colocadas numa panela ao lume para que fosse retirada a banha à qual se juntava um pouco de colorau e sal. Estas iam derretendo aos poucos e uma das mulheres ia vazando a gordura para dentro de umas púcaras de barro vidrado, de onde se retiraria posteriormente sempre que necessário, para servir de tempero durante grande parte do ano. O que sobrava da banha e ficava na panela eram os torresmos, os quais se aproveitavam também ao longo do ano, quando se cozia o pão para fazer umas pequenas merendeiras de trigo ou milho, também chamadas na minha aldeia de brendeiras que eram um bom petisco, sempre muito apreciado. No segundo dia ao da matança, logo pela manhã, juntavam-se os homens à volta do matador para proceder à desmancha do porco. Aos poucos iam sendo cortados os lombos, normalmente conhecidos por febras, sendo algumas delas cortadas em pequenos bocados que se colocavam no alguidar das linguiças, também chamadas de chouriço de carne e que eram depois temperadas com sal, vinho branco, colorau, alhos, louro, cravinho, tendo o cuidado de todos os dias de manhã e à noite se mexerem as carnes que repousavam e ganhavam gosto no alguidar e ao fim de oito dias convocavam-se as mulheres da família, para proceder ao enchimento das tripas, ao mesmo tempo enchiam-se também aos negritos ou chouriços de sangue que eram feitos com gordura e sangue e eram temperados com vinho branco, cravinho, louro e sal. Faziam-se ainda as morcelas, para o que se usavam as tripas grossas, sendo feitas a partir de alguma gordura, sangue, arroz e depois cozidas, as morcelas teriam que ser comidas dentro do menor tempo possível, ao contrário das linguiças e negritos que eram colocados e curados no fumeiro durante alguns dias, havendo o cuidado de durante esse tempo se ir fazendo pequenas fogueiras no local, para que eles fossem aos poucos ficando curados. Depois havia quem as conservasse em azeite, ou as fosse deixando no fumeiro, de onde iam saindo à medida que iam parar dentro da panela, ou se retirava uma ou outra para assar e comer com os amigos na adega, nas tardes chuvosas de Domingo, enquanto se iam bebendo uns copitos do bom tinto ou branco da safra anterior, tirado do pipo pelo espicho. Os ossos eram salgados e metidos na salgadeira e o mesmo se fazia com o toucinho que era cortado aos pedaços, esfregado com sal e colocado uns por cima dos outros entre camadas de sal. Era uma operação que exigia um certo critério, pois se o toucinho não fosse devidamente tratado, acabava por ganhar ranço e deixava de servir com a qualidade exigida para temperar a panela (ainda me cresce água na boca, só ao lembrar como era boa uma sopa de feijão encarnado com arroz, temperada com um bom naco de toucinho com febra). As salgadeiras eram feitas normalmente de grandes vasilhas de barro vermelho vidrado, mas havia também quem as tivesse talhadas em pedra, ou feitas em madeira, tipo arcas, eram assim em madeira, as salgadeiras do meu avô Maximino, carpinteiro de profissão. Habitualmente aquando da desmancha, faziam pequenos lotes -a assadura, constituídos por um bocado de toucinho, um bocado de carne limpa (febra) e um osso com carne, que servia para presentear alguns familiares e amigos, gesto que seria retribuído mais tarde quando os que eram presenteados, matassem também o seu porquito. Era normal aquando da matança do porco, haver já na pocilga um outro mais pequeno que se estava já a engordar para a matança do ano seguinte. Um porco era uma bênção de Deus, estava nele a garantia de comida para muito tempo, para toda uma família. Maximino (Fotos do Blog da Travanca) Comentários: Matança do porco Meu caro amigo. Não tenho palavras. Se usasse chapéu diria simplesmente – tiro-te o meu chapéu. Depois de ler este tratado fiquei com os olhos postos no horizonte, de boca semi-aberta, para não me faltar o ar, e o pensamento distante, algures nos anos quarenta e cinquenta até meados dos anos sessenta, fazendo repassar pela memória situações idênticas, senão iguais, a que muitas vezes assisti e participei. Todos os anos em minha casa, casa do meu pai, e aí até aos meus dezasseis anos, aquando ganhei asas e voei para outras paragens, se matava um porco, invariavelmente em Dezembro ou Janeiro. Passava-se o ano todo a alimentá-lo, exactamente como descreves-te e com essas mesmas comidas, acrescento somente a lavadura (restos da nossa comida e de mais alguns vizinhos e amigos que se iam armazenando num bidão). Resta acrescentar que após o ritual da matança a pocilga era limpa, lavada e seca e levava palha nova de centeio, trigo, milho e tojos ou piornos, formando um pavimento mais quente e confortável, ficando assim preparada para receber os novos inquilinos, geralmente dois leitões acabados de desmamar, não fosse o diabo tecê-las e morrer algum durante o crescimento, recomeçando o ritual para a matança do ano seguinte. No meu caso, como a habitação ficava num dos centros da aldeia, a pocilga foi construída a mais de um kilómetro de distância, no campo, sendo necessário levar-lhe todos os dias o comer para lhes encher o cocho, o que não era feito sem que primeiro fosse lavado. Por outro lado esta distância obrigava á colocação de um arganel, anel de arame que se coloca no focinho dos porcos para impedir que focem, não permitindo assim que abrissem no chão um buraco por onde pudessem fugir. No dia antes da matança, a casa e quintal eram devidamente limpos e arrumados e toda a panóplia de apetrechos inerentes eram escrupulosamente deixados nos respectivos locais, os mais convenientes ao bom andamento do ritual do dia seguinte. Como não havia água canalizada a mesma era retirada de um poço através de um balde e respectiva corda envolvendo força braçal e tempo bem como recipientes receptores em abundância. No dia da matança, tal como descreves-te, ia-se buscar o mártir para o altar do sacrifício. Usava-se como acondicionadores da carne as salgadeiras, feitas em madeira, sendo os enchidos pendurados na chaminé. Poderias, talvez, descrever melhor, mais pormenorizadamente, o ambiente social que era vivido pois que, por exemplo entre outros, durante a faina desenvolvida pelas mulheres de fazer enchidos, os homens ficavam sem nada para fazer e entretinham-se, á luz de candeeiros a petróleo, comprado ao petrolino ambulante, a jogar cartas, sueca de preferência, beber uns tintos, ou brancos, ou qualquer outra bebida espirituosa, que os invernos eram rigorosos e faziam tremer o queixo. E, como dinheiro não havia, os vencedores das rondas, quatro jogos marcados com riscos verticais num papel e um quinto jogo fechando a ronda, com um risco traçando os outros quatro, eram premiados com… como não há pastelinhos de bacalhau, nem croquetes e muito menos rissóis… vai mais um copinho. Nota: A descrição que o Maximino colocou no post pode, numa primeira análise, parecer cruel, mas convém mencionar que toda a carne, peixe e vegetais, bases imprescindíveis da nossa alimentação, tiveram todas elas, um dia, vida. Assim sendo torna-se o texto e a sua descrição mais natural. Um abraço e… venham mais descrições de tradições perdidas mas não esquecidas. A.Justiça..........22-07-2010 Que Grande texto. Para a posteridade! Paulo Caiado.......22-07-2010 Como também eu vivi os quadros tão bem descritos quer pelo Maximino quer pelo A. Justiça, não posso deixar de felicitar ambos pelas preciosas peças que escreveram para benefício de todos os visitantes do blog do Zé Ventura ! Só me permitiria acrescentar uma experiência por mim vivida numa matança em casa dos meus avós paternos, na Matoeira, uns 55 anos atrás. Para que o "rapaz" fosse adquirindo a resistência aos quadros algo "pesados" da matança e da desmancha, fui encarregado de segurar num alguidar onde iriam ser depositadas as queixadas e o osso do peito do bicho. Essas coisas extraíam-se antes do porco ser pendurado, para enxugar.Ficava então pendurado numa "escápula", donde só descia no dia seguinte, para ser desmanchado. Só que, o rapaz estava ainda em jejum e tanta era a atenção com que seguia a operação que ...desmaiou, deixando cair o alguidar, para gáudio dos graúdos que se envolviam no trabalho "cirúrgico"! Prossigam, amigos, na evocação destas e doutras tradições do nosso povo ! Daqui a uns anos, ninguém restará para as recordar, com a autenticidade de quem as testemunhou e mesmo nelas participou ! Abraço do Noronha Leal........22-07-2010 Maximino, de repente voltei atrás meio século. Todo este ritual se repetiu vários anos no centro do meu quintal até meados da década de 60. A descrição, os detalhes, os nomes exactos das coisas, a viagem até ao rio para preparar os enchidos, a bexiga melhor que os balões de hoje. Está tudo aqui. Magnífico meu amigo. J.L.Reboleira Alexandre......22-07-2010 Perfeito, uma descrição que só pode ter este epíteto. Era e ainda é, de certa maneira, o que se passava na matança do porco. Muitos parabéns Maximino Filipe Domingos........22-07-2010 Olá amigo, boa saude em primeiro lugar... Obrigado pela vossa atenção que me têm dado, eu sei que sou bastante maçador,mas o que vale é que há sempre alguém paciente para aturar esta praga... Obrigado Zé por teres enriquecido o texto com as fotos, mas já agora envio-te uma foto onde eu sou personagem também...esse jovem de barbas à cabeça do bicho...sou eu Um abraço Maximino Descrição perfeita do Maximino, como era a matança do porco na aldeia. Na minha não se usava a faca mas sim o "ferrão", o qual era aplicado, "ferrado" até ao coração. Junto umas fotos que, creio ser entre 1978/1980. J.Santana Marques........22-07-2010 Ainda bem que consegui despertar as vossas memórias...aconteceu comigo a mesma coisa, à medida que ia desfiando as recordações..."ia vivendo" as acções... É verdade amigo Justiça, esqueci "as lavaduras" que na minha aldeia eram mais provenientes das lavagens dos utensílios onde se fazia a comida e se comia a mesma, do que propriamente dos restos, porque nesse tempo raramente havia restos na maior parte das casas...não havia faltas, mas era tudo muito melhor administrado... Obrigados aos amigos Justiça, Caiado, Noronha, Reboleira, Filipe e como não podia deixar de ser...ao nosso Zé Ventura... E em relação as fotos que o Santana enviou, retratam uma outra maneira de matar o porco algo diferente da usada na minha aldeia.. Achei engraçado os comentários colocados nas fotos...: a boca atada para "faltar o ar" ao bicho e possivelmente (pensava ele...) levá-lo a morrer mais rapidamente... Mas não... a boca atada era para evitar "experimentar" os dentes do porco...!!! Um abraço para todos vós... Maximino...............23-07-2010 Amigo Maxmino, simplesmente magnifico este post "Parabéns" Assim como todos os últimos textos que têm sido perfeitas lições de participação bem haja a todos. Resolvi participar neste porque mexeu mais comigo, embora ter sido um menino de cidade, tive porém a sorte de assistir a muitas matanças de porco, porque nesse tempo a minha mãe tinha algumas raparigas a trabalhar para ela, que eram das redondezas das Caldas,(Couto, Tornada,Alfeizerão) e os seus pais matavam porcos todos os anos, então a patroa e familia era sempre convidada para tal acontecimento, onde eu o (menino) ia no dia antes dormir a casa delas para assistir a toda essa preparação e festa, que para mim de facto era uma festa. Como o amigo Maxmino a descreve e bem. Mais tarde, cada vez que ia a Portugal, o meu sogro em Aveiro também mateve essa tradição por alguns anos, com a simples diferença de matar no verão para nós termos fartura, isto nos anos setenta, já eram outros tempos. Assim como tive um ano em Portugal que um primo meu de Aveiras de Cima, fez uma festa de despedida na sua adega, para mim e familia, que juntou um grande numero de amigos e familiares, onde mataram três porcos, não muito grandes claro, entre eles um era "mudo" o qual não chiava nem rosnava, era mais pequeno do que os outros, então um amigo deu par esse dia. Isto é só para também mostrar a diferença dos tempos e da fartura, nos tempos de cinquenta, matava-se para abastecer as casas e familia e dar de comer para o ano, quinze anos mais tarde, já se matava por festa e para manter a tradição. Excelente trabalho amigo Maxmino. Um abraço para todos Antonio Abilio ...............24-07-2010

1 comentário:

Anónimo disse...

Coitadinho!